O Senhor dos Anéis - As Duas Torres


Título original: The Lord of The Rings – The Two Towers
Autor: J. R. R. Tolkien
Nº de páginas: 388
Editora: Publicações Europa-América
Colecção: Obras de J. R. R. Tolkien

Sinopse
«No anterior volume desta trilogia, A Irmandade do Anel, o leitor travou conhecimento com alguns estranhos e simpáticos personagens que povoam o mundo que Tolkien construiu: frodo, Gandalf, Pippin, Aragorn, Boromir, para citar apenas alguns.
Através deles ficou também a conhecer algumas espécies bizarras a viver em terras imaginárias: os hobbits, os orcs, os elfos, os anões. E acompanhou certamente todas as peripécias que se passaram à volta do misterioso anel de que Frodo era possuidor. Os perigos por que passaram para subtrair o anel às mãos cobiçosas dos inimigos, os trabalhos em que se viram envolvidos para conseguir o seu intento culminaram com a fuga e o desaparecimento de Frodo e a dispersão dos seus companheiros.
Esta segunda parte, As Duas Torres, conta o que aconteceu a cada um dos membros da Irmandade do Anel, depois de o grupo se ter desfeito e até ao advento da Grande Escuridão e à eclosão da Guerra do Anel, que será contada na terceira e última parte.
As Duas Torres é o segundo volume da trilogia "O Senhor dos Anéis", em que se integram também A Irmandade do Anel e O Regresso do Rei

Opinião
Desde o momento em que Frodo segurou o Anel Um pela primeira vez que se tornou clara a existência de um perigo eminente. Essa sensação provou ser verdadeira e inequivocamente ameaçadora. A Irmandade do Anel construiu-se para combater os perigos que fulminam a Terra Média, mas esses mesmos perigos foram a sua ruína. A missão a cumprir parecia perdida, mas a consciência comum, entre aqueles que iniciaram a longa e sinuosa caminhada, de que combater o mal é imperativo sobrepõe-se a todas as susceptibilidades, a todas as feridas sentidas e sofridas.

Neste intransponível dilema inicia-se a segunda parte de O Senhor dos Anéis. As estradas que as personagens percorrem separam-se em caminhos distintos e cada um segue o seu rumo encaminhado para a parte da tarefa que lhe foi incumbida. O primeiro vislumbre depara-se com um conjunto de três figuras que não podiam ser mais diferentes entre si. Aragorn, Legolas e Gimli perfazem um trio que une três grandes raças do homem numa harmonia quase perfeita. O clima de amizade entre eles ganha substância, bem como algum carácter cómico em certos momentos. Agora que caminham juntos pela Terra Média e que ultrapassaram as primeiras experiências de lidar com seres de origens diferentes, não existem motivos para que se apartem, antes razões para que se mantenham fortes e em uníssono descubram como podem prestar auxílio a quem se dirige ao destino mais perigoso. Neste caso, são Frodo e Sam que permanecem ausentes durante a primeira metade do livro para ganhar protagonismo a partir daí. Ainda longe da negra Mordor, Frodo e Sam tentam manter-se firmes para lá chegar, sendo difícil e ilusório o caminho para pequenos hobbits vindos do pacífico Shire. Todas as provações que sofrem, não só a escassez de alimento e descanso, como a falta de caloroso apoio dos seus companheiros, enfraquece-os, como se tudo se condensasse num grande peso que se carrega ao peito, sensação que Frodo bem conhece do anel. A adicionar a tudo isto, os dois apercebem-se que, mesmo conseguindo ter sucesso na sua missão, o regresso a casa poderá não passar de um mero desejo inatingível. Este estoicismo imprevisto em duas criaturas tão amantes da vida como os hobbits fazem de Frodo e Sam pessoas surpreendentes, exemplos incríveis de coragem e de audácia. E é quando a situação se torna mesmo espinhosa que surge alguém que provoca uma mudança significativa na vida dos hobbits. Sméagol, uma pequena e conturbada criatura que já em A Irmandade do Anel espreitava com os seus olhos por detrás das sombras, aparece finalmente perante Frodo e Sam, com um propósito um quanto duvidoso. A sua alma conspurcada debate-se num cruel e ávido duelo entre uma personalidade dupla, entendida como o lado bom e o lado mau, o racional e o demente, o que gosta de ajudar e o que é ávido por possuir o seu precioso. Esta bipolaridade que consome a personagem de Sméagol é fascinante, tornando-a uma das minhas personagens favoritas desta história. Entre as restantes, há algumas deliciosas reviravoltas nas personagens, nomeadamente em Gandalf, Merry, Pippin e Saruman, e ainda a introdução de outras bastante promissoras como Théoden, rei de Rohan, e Faramir, irmão de Boromir, também eles alcançados pela sombra de Mordor.


Em As Duas Torres, trava-se o início das batalhas. As forças oponentes crescem, com particular destaque para os rivais da Terra Negra com os seus incontáveis Orcs e guerreiros Uruk-Hai, sedentos de sangue. Porém, as alianças entre os homens tornam-se mais fortes, de tal modo que desavenças que duraram longos séculos desvanecem-se para dar lugar a um sólido cordão de guerra. Afinal, é a humanidade que está em risco de se perder para dar lugar a pérfidas criaturas do fogo de Mordor, da fome insaciável de poder de Sauron que pretende subjugar tudo o que vive e que não vive a seus pés. Voltando à grande batalha deste livro, as cenas bélicas são muito bem conseguidas, evidenciando a perseverança das legiões que são levadas ao extremo do desespero e da exaustão. Quem lê sente o arrastar do tempo entre golpes fatais e intermináveis gritos de apelo que se sufocam antes de chegar aos lábios. Contudo, a esperança mantém-se acesa e, por ventura, a luz do amanhecer poderá materializar essa fé em algo real.


Se, por um lado, Sauron conta com apoiantes de variadíssimos tipos em seu poder, quem o combate começa a reunir outra panóplia de seguidores. Aqui, não só os humanos fazem parte do lado bom da história. Começam a surgir novos seres com forças incrivelmente colossais capazes de fazer frente à escuridão, também eles com justificações mais que plausíveis para participarem na batalha. Existe um destaque para os Ents, criaturas ancestrais com uma natureza intrigante que desempenham um papel fundamental a certo ponto. Sábios, poderosos e invulgares, os Ents são, mais que uma arma única, excelentes conselheiros e companheiros.


À medida que a jornada avança desbravam-se novos rumos, antes desconhecidos. Há novas regiões da Terra Média com que Tolkien nos presenteia, principalmente zonas a Sul por onde Frodo e Sam se aventuram. São construídas paisagens belíssimas, repletas de pormenores fascinantes, e muitos dos locais que se expõem têm história relevante para a trama. Este continua a ser, portanto, um dos pontos fortes de O Senhor dos Anéis. É interessante que em As Duas Torres, nesses momentos descritivos o ritmo da narrativa não se perde, ao contrário do que acontecia em A Irmandade do Anel. Tal facto pode dever-se à eminência dum perigo avassalador, cada vez mais presente em cada parágrafo.


É bom destacar que neste livro se revela parte da história da própria Terra Média, isto é, como esta se apresentava há muitas eras atrás e o que a conduziu ao estado actual. Há um momento a que dou particular ênfase que ocorre quando é narrado o passado de Orthanc, a agora fortaleza de Saruman. É notório o deslumbre que nos perpassa enquanto vislumbramos o passado glorioso daquele mesmo local, enquanto absorvemos cada detalhe daquele conteúdo fantástico e irreal, transposto da imaginação de Tolkien para o papel.


Atestando a sua qualidade enquanto obra do fantástico, O Senhor dos Anéis continua em imponência com As Duas Torres. Com grandes prestações quer a nível de personagens, quer a nível de enredo, Tolkien sublima as fraquezas e as forças do homem para entretecer um apelo aos valores que realmente importam na nossa frágil e curta, porém intensa e maravilhosa experiência terrena. Resta saber como se encaminhará o percurso de Frodo e Sam em O Regresso do Rei, cruelmente decisivo para o futuro da Terra Média e, em última instância, determinante da vitória ou da derrota do bem sobre o mal.

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